sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Fiodor Dostoievski - Os Irmãos Karamazovi

Os Irmãos Karamazovi é um dos livros mais penetrantes (no bom sentido) que já tive a oportunidade de ler. Escrito em 1879, é uma das mais importantes obras das literaturas russas e mundiais, ou, conforme afirmou Freud: "a maior obra da história". Não sei se concordo com ele, mas certamente reconheço a grandeza do livro.

Na história do trio de irmãos, várias discussões são levantadas, tais como a existência de deus, a necessidade de amor aos familiares e ao próximo, a crítica aos valores "científicos" ocidentais, entre outros. Dois pontos me chamaram a atenção. O primeiro diz respeito à vida após os 30 anos. Não por acaso, defendo há muito tempo uma idéia parecida, ou seja, de que essa idade simboliza o ponto mais alto da vida. A partir daí inícia a decadência dos homens. Fiquei pasmo quando li os trechos sobre esse tema.

O segundo aspecto é a a forte presença de temas como a vingança e as dúvidas sobre o papel do cristianismo. Essas discussões vão simplesmente fundamentar as bases da filosofia nietzscheana posteriormente. Chama a atenção como muitas idéias do filósofo alemão bebem na obra de Dostoievski.

Enfm, para quem tem predileção por temas existenciais, políticos e sociais, deve ter em sua estante esta bela obra da mais pura litertura russa. Abaixo apresento alguns trechos que considero interessantes na obra.

DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamazovi. São Paulo: Martin Claret, 2007.

Definições psicológicas
Muitas vezes, as pessoas, mesmo más, são mais ingênuas, mais simples do que o pensamos. Nós também, aliás. 16

Definições psicológicas: Aliócha
Entre seus condiscípulos, jamais queria pôr-se à frente. Por esta razão, talvez, jamais temia alguém e os rapazes notavam que, longe de orgulhar-se disso, parecia ignorar sua ousadia, sua intrepidez. Não era rancoroso. Uma hora após ter sido ofendido, respondia ao ofensor ou dirigia-lhe ele próprio a palavra, com um ar confiante, tranqüilo, como se nada se tivesse passado entre eles. Não parecia então ter esquecido a ofensa, ou decidido perdoá-la, mas não se considerava ofendido e isto fazia com que conquistasse o coração dos meninos. 26

Prazer na ofensa
Justamente, justamente, senti prazer em toda a minha vida com as ofensas, por um sentimento de estética, porque ser ofendido não somente causa prazer, mas por vezes é belo. 51

Questão moral. Ingratidão
Mas se o doente, cujas úlceras tu lavas, te pagar com ingratidão, se puser a atormentar-te com seus caprichos, sem apreciar nem notar teu devotamento, se gritar contra ti, se se mostrar exigente e queixar-se mesmo à diretoria (como acontece muitas vezes quando se sofre muito), farás então o quê? Continuará o teu amor?" Imaginai que já decidi, com um arrepio: "Se há alguma coisa que possa esfriar imediatamente meu amor *que age* em favor da humanidade, é unicamente a ingratidão". Numa palavra: trabalho por um salário, exijo-o imediatamente, sob forma de elogios e de amor em troca do meu. De outro modo, não posso amar ninguém. 63

Amar a humanidade e detestar pessoas
"Eu amo", dizia ele, "a humanidade, mas admiro-me de mim mesmo. Tanto mais amo a humanidade em geral, quanto menos amo as pessoas em particular, como indivíduos. Muitas vezes tenho sonhado apaixonadamente em servir à humanidade, e talvez tivesse verdadeiramente subido ao calvário por meus semelhantes, se tivesse sido preciso, muito embora não possa viver com ninguém dois dias no mesmo quarto. Sei-o por experiência. Desde que alguém está junto de mim, sua personalidade oprime meu amor-próprio e constrange minha liberdade. Em 24 horas, posso mesmo antipatizar com. as melhores pessoas uma, porque fica muito tempo na mesa, outra, porque está resfriada e só faz espirrar. Torno-me o inimigo, dos homens, apenas se acham eles em contato comigo. Em compensação, invariavelmente, quanto mais detesto as pessoas em particular, tanto mais ardo de amor pela humanidade em geral.". 64

Os crimes e a Igreja
Se a Igreja absorvesse tudo, excomungaria o criminoso e o refratário, mas não cortaria as cabeças — continuou Ivã Fiódorovitch. — Pergunto-vos: aonde iria o excomungado? Porque deveria, então, não somente separar-se das pessoas, mas do Cristo. Pelo seu crime, insurgir-se-ia não só contra as pessoas, mas contra a Igreja do Cristo. É o caso, atualmente, sem dúvida, no sentido estrito, no entanto não é proclamado, e a consciência do criminoso de hoje transige muitas vezes: "Roubei", diz ela, "mas não vou contra a Igreja, não sou o Inimigo do Cristo". Eis o que diz freqüentemente o criminoso de hoje. Pois bem, quando a Igreja tiver substituído o Estado, ser-lhe-á difícil falar assim, a menos que negue a Igreja na terra inteira: 'Todos", diria ele, "estão no erro, todos se desviaram, a Igreja deles é falsa, somente eu, assassino e ladrão, sou a verdadeira Igreja cristã". É dificílimo manter esta linguagem, supõe isto condições extraordinárias, circunstâncias que raramente existem. Atualmente, considerai de outra parte o ponto de vista da própria Igreja para com o crime: será que não deveria modificar-se em oposição ao de hoje, que é quase pagão, e, de meio mecânico de cortar um membro gangrenado, como se pratica atualmente para preservar a sociedade, transformar-se totalmente na idéia da regeneração do homem, de sua ressurreição e de sua salvação?... 69-70

Igreja como Estado
Se a sociedade inteira se convertesse em Igreja, então não somente a justiça da Igreja influiria sobre a emenda do criminoso como não o faz nunca atualmente, mas os próprios crimes diminuiriam em proporção inverossímil. 72

Socialismos
O socialista cristão é mais perigoso que o socialista ateu". Estas palavras tinham-me abalado então, e agora, senhores, junto de vós, elas me voltam à memória... 73

Sobre amar seus semelhantes
Há cinco dias, numa reunião em que se achavam sobretudo senhoras, declarou ele solenemente, no curso duma discussão, que nada no mundo obrigava as pessoas a amar seus semelhantes, que não existia nenhuma lei natural ordenando ao homem que amasse a humanidade; que se o amor havia reinado até o presente sobre a terra, era isto devido não à lei natural, mas unicamente à crença das pessoas em sua imortalidade. Ivã Fiódorovitch acrescentou entre parênteses que nisso está toda a lei natural, de sorte que se destruís no homem a fé em sua imortalidade, não somente o amor secará nele, mas também a força de continuar a vida no mundo. Mais ainda, não haverá então nada de imoral, tudo será autorizado, até mesmo a antropofagia. Não é tudo: terminou afirmando que para cada indivíduo — nós agora, por exemplo — que não acredita nem em Deus, nem em sua imortalidade, a lei moral da natureza devia imediatamente tornar-se o inverso absoluto da precedente lei religiosa; que o egoísmo, mesmo levado até a perversidade, devia não somente ser autorizado, mas reconhecido como a saída necessária, a mais razoável e quase a mais nobre. De acordo com tal paradoxo, julguem o resto, senhores, julguem o que o nosso querido e excêntrico Ivã Fiódorovitch acha bom proclamar e suas intenções eventuais... 75

Virtude e imortalidade
Sim, afirmei-lo Não há virtude sem imortalidade. 76

Dor e felicidade
Tal é tua vocação: procurar a felicidade na dor. 83

Poder da mulher
Que um homem se apaixone por uma beldade qualquer, por um corpo de mulher, até mesmo somente por uma parte desse corpo (um voluptuoso me compreenderia imediatamente), entregará por causa dela seus próprios filhos, venderá pai e mãe, a Rússia e a pátria; honesto, irá roubar; manso, assassinará; fiel, trairá. 86

Definições psicológicas: Gregório
No seu aspecto exterior, era Gregório um homem frio e grave, pouco falador, proferindo palavras ponderadas, isentas de frivolidades, À primeira vista, não se podia adivinhar se amava ou não sua mulher, doce e submissa, não obstante a amasse verdadeiramente e ela o compreendesse sem dúvida. Essa Marfa Ignátievna, longe de ser estúpida, era talvez mais inteligente que seu. marido, em todo caso mais judiciosa nos negócios da vida; entretanto, era-lhe cegamente submissa, desde o começo de seu casamento, e respeitava-o sem contradição pela sua altitude moral. É preciso notar que trocavam muito poucas palavras, somente a propósito das coisas indispensáveis da vida corrente. O grave e majestoso Gregório meditava sempre sozinho seus negócios e suas preocupações, de sorte que Marfa Ignátievna compreendera desde muito tempo que não tinha ele de modo algum necessidade de seus conselhos. 101

Gostava extremamente do Livro de Jó, arranjara uma coletânea das palavras e sermões de "nosso Santo Padre Isaac, o Sírio", que se obstinou em ler durante anos, quase sem nada compreender daquilo, mas por esta razão talvez apreciasse e amasse aquele livro acima de tudo. 103

Mulheres
Muitas mulheres gostam dessa liberdade de expressão, nota-o bem; além do mais, era muito divertido com uma moça igual a ela. 118.

Definições psicológicas
Porque, se tenho instintos baixos, sou contudo leal. 121

O limite entre ódio e amor
O ódio que só está separado do amor mais ardente por um cabelo. 122

Destino
Mas o destino se cumprirá, cada qual segundo seus méritos; o réprobo afundar-se-á definitivamente no lamaçal de que gosta. 125

A luz da criação
Nada. Deus criou o mundo no primeiro dia; o sol, a lua e as estrelas no quarto dia. Donde vinha, pois, a luz do primeiro dia? 132

A existência de Deus
Mas dize-me, no entanto, há um Deus ou não? Somente é preciso que me fales seriamente.
— Não, não há Deus.
— Aliócha, Deus existe?
— Sim, existe.
— Ivã, há imortalidade? Por pequena que seja, por mais modesta?
— Não, não há.
— Nenhuma?
— Nenhuma.
— Quer dizer, um zero absoluto, ou uma parcela? Não haveria uma parcela?
— Um zero absoluto.
— Aliócha, há imortalidade?
— Sim.
— Deus e a imortalidade juntos?
— Sim. É em Deus que repousa a imortalidade.
— Hum! Deve ser Ivã quem tem razão. Senhor, quando se pensa quanto de fé e de energia essa quimera tem custado ao homem, em pura perda, desde milhares de anos! Quem, pois, zomba assim da humanidade? Ivã, pela derradeira vez e categoricamente: há um Deus, sim ou não?
— Não, pela derradeira vez.
— Quem, pois, zomba do mundo, Ivã?
— O diabo, provavelmente — escarneceu Ivã.
— O diabo existe?
— Não, não existe.
— Tanto pior. Não sei o que teria eu feito ao primeiro fanático que inventou Deus. Enforcá-lo seria insuficiente!
— Sem essa invenção, não haveria civilização. 142

Sobre mentir a si mesmo
Quanto ao direito, quem, pois, não tem o direito de desejar?
— Não a morte de outrem.
— E por que não a morte? De que serve mentir a si mesmo, quando todos vivem assim e sem dúvida não podem viver de outro modo? Pensas no que disse ainda há pouco, que "os dois répteis se devoram um ao outro"? Crês-me capaz, como Dimítri, de derramar o sangue de Esopo, de matá-lo, enfim? 151

Beleza russa
Na verdade, era até mesmo bela, bastante bela, uma beleza russa, a que suscita tantas paixões156

Ciência e as análises compartimentadas que perdem a noção do todo
a ciência do mundo, tendo-se desenvolvido neste século sobretudo, dissecou nossos livros santos e, após uma análise impiedosa, nada deixou subsistir. Mas, dissecando as partes, perderam de vista o conjunto, e sua cegueira é de causar espanto. O conjunto se ergue diante dos olhos deles, tão inabalável quanto antes, e o inferno não prevalecerá contra ele. 177

Libertinagem e hipocrisia
Meu caro filho Alieksiéi Fiódorovitch, fica sabendo bem, porque quero viver até o fim na libertinagem. É a existência mais agradável; todo mundo deblatera contra ela e todo mundo nela vive, mas às ocultas, e eu, em pleno dia. 179.

Tapados
Costuma permanecer calado e sorrir com ironia, como se isso significasse erudição. 179.

Mulheres e amores
Eis os indivíduos a quem essas ternas senhoritas amam: farristas, malandros! 181

Crianças
Essa idade é impiedosa; tomados separadamente são uns anjos, mas todos juntos são implacáveis, sobretudo na escola 210

Pinheiros e pessoas
Os pinheiros não são como as pessoas, ficam muito tempo sem mudar 219

Homem desgraçado
é extremamente penoso para um desgraçado ver que todos se consideram como benfeitores seus... 221

Definições psicológicas
Alieksiéi Fiódorovitch, você é de uma bondade supreendente, mas por vezes tem o ar pedante... no entanto, vê-se que você não o é. 222

Prazer pela vida. Trinta anos
Se não tivesse mais fé na vida, se duvidasse duma mulher amada, da ordem universal, persuadido ao contrário de que tudo não é senão um caos infernal e maldito e estivesse eu preso dos horrores da desilusão — mesmo então quereria viver ainda assim. Depois de ter bebido na taça encantada, só a deixaria uma vez esgotada. Aliás, perto dos trinta anos, pode ser que sinta saudade dela, mesmo inacabada, e irei... não sei aonde. Mas, até os trinta anos, tenho a certeza, minha mocidade triunfará de tudo, do desencanto, do desgosto de viver. Muitas vezes tenho perguntado a mim mesmo se haveria no mundo um desespero capaz de vencer em mim esse furioso apetite de viver, inconveniente talvez; e penso que ele não existe, pelo menos antes de trinta anos. 235

Trinta anos
Nosso pai não quer renunciar a ela antes dos setenta anos, ou mesmo dos oitenta. Disse-o muito seriamente, embora seja um palhaço. Agarra-se à sua sensualidade como a um rochedo... Na verdade, após os trinta anos, não há outro recurso talvez. Mas é vil entregar-se a isso até os setenta. Melhor vale cessar aos trinta. Conserva-se uma aparência de nobreza, ao mesmo tempo que se engana a si mesmo. 237

Russos e as questões da existência
Sim, para os verdadeiros russos, as questões da existência, de Deus, da imortalidade da alma, ou, como dizes, as mesmas encaradas sob outra face, são primordiais, e tanto melhor assim 239

Nietzsche: foi Deus quem criou o homem, ou o homem quem criou Deus
Sabes, meu caro, que havia um velho pecador no século XVIII que disse: "Si Dieu riexistait pas, il foudrait Vinventer"? E, com efeito, foi o homem quem inventou Deus. E o que é espantoso não é que Deus exista realmente, mas que essa idéia da necessidade de Deus tenha vindo ao espírito de um animal feroz e mau como o homem, tão santa, comovente e sábia é ela, tanta honra faz ao homem. Quanto a mim, renunciei desde muito tempo a perguntar a mim mesmo se foi Deus quem criou o homem, ou o homem quem criou Deus. Bem entendido, não passarei em revista todos os axiomas que os adolescentes russos deduziram das hipóteses européias, porque o que na Europa é uma hipótese torna-se logo um axioma para os ditos. adolescentes, e não somente para eles mas para seus professores, que muitas vezes se lhes assemelham. De modo que afasto todas as hipóteses: qual é, com efeito, nosso desígnio? Meu desígnio é explicar-te o mais rapidamente possível a essência de meu ser, minha fé e minhas esperanças. Assim, declaro admitir Deus, pura e simplesmente. É preciso notar, no entanto, que, se Deus existe, se criou verdadeiramente a terra, fê-la, como se sabe, segundo a geometria de Euclides, e não deu ao espírito humano senão a noção das três dimensões do espaço. Entretanto, encontraram-se, encontram-se ainda geômetras e filósofos, mesmo eminentes, para duvidar de que todo o universo e até mesmo todos os mundos tenham sido criados somente de acordo com os princípios de Euclides. Ousam mesmo supor que duas paralelas que, de acordo com as leis de Euclides, jamais se poderão encontrar na terra, possam encontrar-se, em alguma parte, no infinito. Decidi, sendo incapaz de compreender mesmo isto, não procurar compreender Deus. Confesso humildemente minha incapacidade em resolver tais questões; tenho essencialmente o espírito de Euclides: terrestre. De que serve querer resolver o que não é deste mundo? E aconselho-te a jamais quebrar a cabeça a respeito, meu amigo Aliócha, sobretudo a respeito de Deus: existe ele ou não? Essas questões estão fora do alcance dum espírito que só tem a noção das três dimensões. Assim, admito Deus, não só voluntariamente, mas ainda sua sabedoria, seu fim que nos escapa; creio na ordem, no sentido da vida, na harmonia eterna, na qual se pretende que nos fundiremos um dia: creio no Verbo para o qual propende o Universo que está em Deus e que é ele próprio Deus, até o infinito. Estou no bom caminho? Imagina que, em definitivo, esse mundo de Deus, eu não o aceito e, embora saiba que ele existe, não o admito. Não é Deus que repilo, nota bem, mas a criação; eis o que me recuso admitir. Explico-me: estou convencido, como uma criança, de que o sofrimento desaparecerá, que a comédia revoltante das contradições humanas se esvaecerá como uma lamentável miragem, como a manifestação vil da impotência mesquinha, como um átomo do espírito de Euclides; que no fim do drama, quando aparecer a harmonia eterna, uma revelação se produzirá, preciosa a ponto de enternecer todos os corações, de acalmar todas as indignações, de resgatar todos os crimes e o sangue vertido; de sorte que se poderá não só perdoar, mas justificar tudo quanto se passou sobre a terra. Que tudo isso se realize, seja, mas não o admito e não quero admiti-lo. Que as paralelas se encontrem sob meus olhos, verei e direi que se encontraram; e no entanto não o admitirei. Eis o essencial, Aliócha, eis minha tese. Comecei expressamente nossa conversa duma maneira que não podia ser mais idiota, mas levei-a até minha confissão, porque é o que esperas. Não era a questão de Deus que te interessava, mas a vida espiritual de teu irmão querido. Tenho dito. 240-241

Desespero
O espírito é desleal, mas há honestidade na idiotice. Quanto mais idiotamente confessar o desespero que me acabrunha, tanto melhor valerá isto para mim. 242

Nietzsche: Amar o próximo
Devo confessar-te uma coisa — começou Ivã. — Jamais pude compreender como se pode amar seu próximo. É precisamente, na minha idéia, o próximo que não se pode amar, ou somente a distância. Li, em alguma parte, a propósito de um santo, João, o Misericordioso, a quem um passante faminto e franzido de frio foi um dia suplicar que o aquecesse; o santo deitou-se com ele, tomou-o nos seus braços e se pôs a insuflar seu hálito na boca purulenta do infeliz, infectada por uma horrível moléstia. Estou persuadido de que fez isso com esforço, mentindo a si mesmo, num sentimento de amor ditado pelo dever e por espírito de penitência. Para que se possa amá-lo, é preciso que um homem esteja oculto; desde que ele mostra seu rosto, o amor desaparece. 242

Amar o próximo
Os mendigos, sobretudo aqueles que têm alguma nobreza, não deveriam jamais mostrar-se, mas pedir esmola por intermédio dos jornais. Em teoria, ainda, pode-se amar seu próximo, e até mesmo de longe; de perto, é quase impossível. 243

Homens x Animais
Compara-se por vezes a crueldade do homem com a dos animais selvagens; é uma injustiça para com estes. As feras não atingem jamais os refinamentos do homem. O tigre dilacera sua presa e a devora; não conhece outra coisa. Não lhe viria à idéia pregar as pessoas pelas orelhas, ainda mesmo que o pudesse fazer. São os turcos os que torturam crianças com um prazer sádico, arrancam os bebês do ventre materno, lançam-nos no ar para recebê-los nas pontas das baionetas, sob os olhos das mães, cuja presença constitui o principal prazer. 244

O homem e o diabo
Penso que se o diabo não existe e foi por conseguinte criado pelo homem, este deve tê-lo feito à sua imagem. 245

Crime e castigo
Na Rússia, se bem que seja absurdo decapitar um irmão pela única razão de ter-se tornado dos nossos e tê-lo tocado a graça, temos quase coisa igual. Entre nós, torturar batendo constitui uma tradição histórica, um gozo pronto e imediato. Niekrássov conta num de seus poemas como um mujique bate com seu chicote nos olhos de seu cavalo. Quem já não viu isso? É bem russo. 247

Questão moral
Esfregavam-lhe os próprios excrementos na cara, e sua mãe, sua própria mãe obrigava-a a comê-los! E essa mãe dormia tranqüila, insensível aos gritos da pobre criança fechada naquele lugar repugnante! Vês tu daqui aquele pequeno ser, não compreendendo o que lhe acontece, no frio e na escuridão, bater com seus pequeninos punhos no peito ofegante e derramar lágrimas inocentes, chamando o "bom Deus" em seu socorro? Compreendes esse absurdo, tem ele um fim, meu amigo e meu irmão, tu, o noviço piedoso? Dizem que tudo isso é indispensável para estabelecer a distinção entre o bem e o mal no espírito do homem. Para que pagar tão caro essa distinção diabólica? Toda a ciência do mundo não vale as lágrimas das crianças. Não falo dos sofrimentos dos adultos. Eles comeram o fruto proibido, que o diabo os leve! Mas as crianças! 248

Tolices e compreensão
Fica sabendo, noviço, que as tolices são necessárias ao mundo; sobre elas é que ele se funda: sem essas tolices, nada se passaria aqui na terra. Sabemos o que sabemos.
— Que sabes tu?
— Nada compreendo — prosseguiu Ivã, como em sonho —, nada quero compreender agora. Atenho-me aos fatos. Há tempos já resolvi não compreender. Se quero compreender, altero os fatos...
249

Questão moral
Se todos devem sofrer, a fim de concorrer com seu sofrimento para a harmonia eterna, qual o papel das crianças? 250
Acredita-me, Aliócha, pode ser que eu viva até esse momento ou que ressuscite então, e exclamarei talvez com os outros, vendo a mãe beijar o carrasco de seu filho: "Tu tens razão, Senhor Deus!", mas será contra minha vontade. Enquanto ainda é tempo, recuso-me a aceitar essa harmonia superior. Acho que não vale ela uma lágrima de criança, daquela pequenina vítima que batia no peito e rezava ao "bom Deus", no seu canto infecto; não as vale, porque aquelas lágrimas não foram redimidas. Enquanto assim for, não se poderá falar de harmonia. Ora, não há possibilidade de redimi-las. Os carrascos sofrerão no inferno, dir-me-ás tu. Mas de que serve esse castigo, uma vez que as crianças tiveram também o seu inferno? Aliás, que vale essa harmonia que comporta um inferno? Quero o perdão, o beijo universal, a supressão do sofrimento. E, se o sofrimento das crianças serve para perfazer a soma das dores necessárias à aquisição da verdade, afirmo desde agora que essa verdade não vale tal preço. Não quero que a mãe perdoe ao carrasco, não tem esse direito. Que lhe perdoe seu sofrimento de mãe, mas não o que sofreu seu filho estraçalhado pelos cães. Ainda mesmo que seu filho perdoasse, não teria ela o direito. Se o direito de perdoar não existe, que vem a tornar-se a harmonia? Há no mundo um ser que tenha esse direito? Por amor pela humanidade é que não quero essa harmonia. Prefiro conservar meus sofrimentos não redimidos e minha indignação persistente, mesmo se não tivesse razão! Aliás, deram realce excessivo a essa harmonia, a entrada custa demasiado caro para nós. Prefiro entregar meu bilhete de entrada. Como homem de bem, tenho mesmo obrigação de devolvê-lo o mais cedo possível. É o que faço. Não recuso admitir Deus, mas muito respeitosamente devolvo-lhe meu bilhete. 251

Questão moral
Responde-me francamente. Imagina que os destinos da humanidade estejam entre tuas mãos e que, para tornar as pessoas definitivamente felizes, proporcionar-lhes afinal a paz e o repouso, seja indispensável torturar um ser apenas, a criança que batia no peito com seu pequeno punho, e basear sobre suas lágrimas a felicidade futura. 251

Pão e liberdade
Compreenderão por fim que a liberdade e o pão da terra à vontade para cada um são inconciliáveis, porque jamais saberão reparti-los entre si! 259

O homem e seu desejo de livrar-se das responsabilidades
Os povos forjaram deuses e desconfiaram uns dos outros: 'Abandonai vossos deuses, adorai os nossos, senão, ai de vós e de vossos deuses!' E assim será até o fim do mundo, mesmo quando os deuses tiverem desaparecido; prosternar-se-ão diante dos ídolos. Tu não ignoravas, tu não podias ignorar esse segredo fundamental da natureza humana e, no entanto, repeliste a única bandeira infalível que te ofereciam e que teria curvado sem contestação todos os homens diante de ti, a bandeira do pão terrestre; rejeitaste-a em nome do pão do céu e da liberdade! Vê o que fizeste em seguida, sempre em nome da liberdade! Não há, repito-te, preocupação mais aguda para o homem que encontrar o mais cedo possível um ser a quem delegar esse dom da liberdade que o infeliz traz consigo ao nascer. Mas, para dispor da liberdade dos homens, é preciso dar-lhes a paz da consciência. O pão te garantia o êxito; o homem se inclina diante de quem lhe dá, porque é uma coisa incontestável, mas, se um outro se torna senhor da consciência humana, largará ali mesmo o teu pão para seguir aquele que cativa sua consciência. Nisto tu tinhas razão, porque o segredo da existência humana consiste não somente em viver, mas ainda em encontrar um motivo de viver. Sem uma idéia nítida da finalidade da existência, prefere o homem a ela renunciar e se destruirá em vez de ficar na terra, embora cercado de montes de pão. 260

Questionamento para Jesus
Tu não desceste da cruz, quando zombavam de ti e gritavam-te, por derrisão: 'Desce da cruz e creremos em ti'. Não o fizeste, porque de novo não quiseste sujeitar o homem por meio de um milagre. Desejavas uma fé livre e não inspirada pelo maravilhoso. Tinhas necessidade de um livre amor e não dos transportes servis dum escravo aterrorizado. Aí ainda, fazias idéia demasiado alta dos homens, porque são escravos, se bem que tenham sido criados rebeldes. 261

Natureza humana
a natureza humana não tolera a blasfêmia e acaba sempre por tirar vingança dela. Assim, a inquietação, a perturbação, a desgraça, tal o quinhão dos homens, após os sofrimentos que suportaste pela liberdade deles. 262

Liberdade
Nós tornamos todos os homens felizes e as revoltas e os massacres inseparáveis de tua liberdade cessarão. Oh! Nós os persuadiremos de que não serão verdadeiramente livres senão abdicando de sua liberdade em nosso favor. Pois bem, diremos a verdade ou mentiremos? Convencer-se-ão eles próprios de que dizemos a verdade, porque se lembrarão daquela servidão e daquela perturbação em que os mergulhou a tua liberdade. 264

A liberdade individual e medíocre
Suponhamos que entre essas criaturas sedentas somente de bens materiais seja encontrada uma só como o meu velho inquisidor, que viveu de raízes no deserto e encarniçou-se em domar seus sentidos para se tornar livre, para atingir a perfeição; no entanto, sempre amou a humanidade. De repente, vê claro, dá-se conta de que é uma felicidade medíocre atingir a liberdade perfeita, quando milhões de criaturas permanecem para sempre desgraçadas, demasiado fracas para usar de sua liberdade, de que esses revoltados débeis não poderão jamais terminar sua torre, e de que não é para tais gansos que o grande idealista sonhou sua harmonia. 267

Se Deus não existe, tudo é permitido
Pois seja, "tudo é. permitido", já que se disse isto. Não me retrato. Aliás, Mítia formulou-a bastante bem. 269

Forças exteriores
O que o irritava sobretudo era que aquela ansiedade tinha uma causa fortuita, exterior, sentia-o ele. 271

Solidão e individualismo
"Que isolamento?", perguntei. "Reina ele em toda parte na hora atual, mas não está terminado e seu termo ainda não chegou. Porque, no presente, cada qual aspira a separar sua personalidade dos outros, quer gozar ele próprio a plenitude da vida; entretanto, todos esses esforços, longe de atingir o alvo, só resultam num suicídio total, porque, em lugar de afirmar plenamente sua personalidade, caem numa solidão completa. Com efeito, neste século, todos se fracionaram em unidades, cada qual se isola no seu buraco, separa-se dos outros, oculta-se, ele e seus bens, afasta-se de seus semelhantes e os afasta de si. Amontoa riqueza sozinho, felicita-se pelo seu poder e pela sua opulência; ignora, o insensato; que, quanto mais amontoa, mais se enterra numa impotência fatal. Porque está habituado a só contar consigo mesmo e destacou-se da coletividade, acostumou-se a não crer na entreajuda, no seu próximo, na humanidade, e treme somente à idéia de perder sua fortuna e os direitos que ela lhe confere. 306

Liberdade e natureza
Concebendo a liberdade como o aumento das necessidades e sua pronta satisfação, alteram-lhes a natureza, porque fazem nascer neles uma multidão de desejos insensatos, de hábitos e imaginações absurdos. 316

Bebida
O povo está desmoralizado pela bebedice e não pode curar-se dela. Quantas crueldades na família, para com a mulher e mesmo para com os filhos, causadas por ela! Vi nas fábricas crianças de nove anos, débeis, atrofiadas, curvadas e já corruptas. Um local sufocante, o barulho das máquinas, o trabalho incessante, as obscenidades, a aguardente, é isso que convém à alma dum menino? Precisa é de sol, dos jogos de sua idade, de bons exemplos e de um mínimo de simpatia. 318

Razão e religião
Adeptos da ciência, querem organizar-se eqüitativamente pela razão apenas, mas sem o Cristo, como outrora; já proclamaram que não há crime nem pecado. Têm razão de acordo com seu ponto de vista, porque sem Deus, onde está o crime? 318

Exploração
Mas fui esclarecido pelo pensamento de meu querido irmão, que ouvira na minha infância: "Serei digno de ser servido por outrem? Tenho o direito de explorar sua miséria e sua ignorância?" Admirava-me então de que as idéias mais simples, as mais evidentes, nos venham tão tarde ao espírito. 320

Homens, animais e crianças
Homem, não te ergas acima dos animais; eles não têm pecado, ao passo que com tua grandeza manchas a terra com tua aparição, deixando após ti um rasto de podridão — ai! quase todos nós! Amai particularmente as crianças, porque elas, como os anjos, também não têm pecado; existem para comover-nos os corações, purificá-los, são para nós como uma indicação 322

Avatar
Meus irmãos, o amor é mestre, mas é preciso saber adquiri-lo, porque se adquire dificilmente ao preço dum esforço prolongado; é preciso amar, com efeito, não por um instante, mas até o fim. Qualquer um, até mesmo um celerado, é capaz de um amor fortuito. Meu irmão pedia perdão aos pássaros; isto parece absurdo, mas é justo, porque tudo se assemelha ao oceano, onde tudo se derrama e comunica, toca-se num lugar e isto repercute na outra extremidade do mundo. Admitamos que seja uma loucura pedir perdão aos pássaros, mas os pássaros, e a criança, e cada animal que vos cerca sentir-se-iam mais à vontade, se vós mesmos fôsseis mais dignos do que o sois agora, um pouco que seja. Então rezaríeis aos pássaros, possuídos totalmente pelo amor numa espécie de êxtase, vós lhes rogaríeis que vos perdoassem vossos pecados 322

Inferno
Meus padres, pergunto a mim mesmo: "Que é o inferno?" Defino-o assim: "O sofrimento por não poder mais amar". 325

Ciúme
Tal não é o verdadeiro ciumento. Não se pode imaginar a infâmia e a degradação a que um ciumento é capaz de acomodar-se sem nenhum remorso. E não são sempre almas vis que assim agem. Pelo contrário, embora tendo sentimentos elevados, um amor puro e devotado, pode uma pessoa esconder-se debaixo de mesas, comprar tratantes, prestar-se à mais ignóbil espionagem 380

Ora, que vale tal amor, objeto de uma vigilância incessante? 380

Mas assim que Grúchenhka partia, recomeçava Mítia a suspeitar nela todas as baixezas e perfídias da traição, sem experimentar nenhum remorso. 381

Conceito
Bêbado moralmente 406

Definições psicológicas
Kólia parecia-lhe sempre insensível a seu respeito e acontecia que, numa crise de lágrimas, ela o censurava pela sua frieza. O rapazinho não gostava disso e quanto mais efusões exigiam dele mais a elas se furtava. Mas era contra a sua vontade, provinha isto de seu caráter e não de sua vontade. Sua mãe se enganava; ele a amava, somente, não gostava das "ternuras de novilha", como dizia em sua linguagem de escolar. 503

Natureza e socialismo
— Gosto de observar a realidade, Smúrov — disse de súbito Kólia. — Notaste como os cães se farejam, quando se encontram? É, entre eles, uma lei geral da natureza.
— Sim, uma lei ridícula.
— Não é ridícula, não tens razão. Na natureza, nada há de ridículo, apesar do que dela pense o homem com seus preconceitos. Se os cães pudessem raciocinar e criticar, encontrariam certamente outro tanto de ridículo, se não mais, nas relações sociais das pessoas, seus donos, se não mais, repito-o, porque estou persuadido de que há bem mais tolices entre nós. É a idéia de Rakítin, uma idéia notável. Sou socialista, Smúrov.
— Que é um socialista? — perguntou Smúrov.
— É quando todos são iguais, têm uma opinião comum, não há casamentos, sendo a religião e as leis como convém a cada um. És ainda demasiado jovem para compreender essas questões. 514

Questão estética
Aliás, não é preciso crer que a preocupação com seu rosto e sua estatura o absorvesse por completo. Pelo contrário, por mais vexatórias que fossem as estadas diante do espelho, esquecia-as em breve e por muito tempo, "consagrando-se todo inteiro às idéias e à vida real", como ele próprio definia sua atividade. 519

Os russos e a filosofia
"Os Karamázovi não são canalhas, são filósofos, como todos os verdadeiros russos; mas tu, malgrado teu saber, não és um filósofo, não passas de um labrego". 574

Tudo é permitido
"Mas então, que se tornará o homem, sem Deus e sem imortalidade? Tudo é permitido, por conseqüência, tudo é lícito?" "Não o sabias? Para um homem de talento, tudo é permitido, sabe sempre tirar-se de apertos. 574

Visão sobre os marginais sociais
Pode-se encontrar também nas minas, em um forçado e em um assassino, um coração de homem e entrar em entendimento com ele, porque ali também se pode amar, viver e sofrer! Pode-se reanimar o coração entorpecido de um forçado, cuidar dele, trazer afinal da cova para a luz uma alma grande, regenerada pelo sofrimento, ressuscitar um herói! Ora, há centenas deles e somos todos culpados para com eles. 577

Filosofia e prática: Marx
A vida é fácil para Rakítin: "Ocupa-te antes", dizia-me hoje, "com estender os direitos cívicos ou impedir a alta da carne; dessa maneira, servirás. melhor a humanidade e a amarás mais que com toda a tua filosofia". Ao que lhe respondi: "Tu mesmo, não acreditando em Deus, elevarás o preço da carne se houver oportunidade, e ganharás 1 rublo em vez de 1 copeque". Zangou-se. Com efeito, que é a virtude? Responde-me, Alieksiéi. Não me represento a virtude como um chinês, é pois uma coisa relativa? Ou então, não é relativa? Questão insidiosa! 578

Tudo é permitido
Perguntava-lhe: "Então, tudo é permitido?" Ele franziu a testa: "Fiódor Pávlovitch, nosso pai", disse ele, "era um porco, mas raciocinava certo". Eis suas palavras. 578

Deus e os reacionários
"Ser reacionário", dizia-lhes, "é crer em Deus em nossa época, mas eu, eu sou o diabo". 623

Vida e sofrimento
Sofrem, evidentemente... em compensação, vivem, uma vida real e não imaginária, porque o sofrimento é a vida. Sem o sofrimento, que prazer ofereceria ela? 624

Torturas morais e estrangeirismos
Outrora, havia-os para todos os gostos; agora, é sempre mais o sistema das torturas morais, "os remorsos da consciência" e outras pataratas. Devemos isso à "doçura dos costumes" de vocês. E quem tira proveito disso? Somente os que não têm consciência, porque zombam dos remorsos! Em compensação, as pessoas decentes, que conservaram o sentimento da honra, sofrem... Eis o que acontece com as reformas operadas em terreno mal preparado e copiadas de instituições estrangeiras. São deploráveis! 626

As consequências da não existência de Deus
Uma vez que a humanidade inteira professe o ateísmo (e creio que essa época, à maneira das épocas geológicas, chegará a seu tempo), então, por si mesma, sem antropofagia, a antiga concepção do mundo desaparecerá, e sobretudo a antiga moral. Os homens se unirão para retirar da vida todos os gozos possíveis, mas neste mundo somente. O espírito humano se elevará até um orgulho titânico e isto será a humanidade deificada. Triunfando sem cessar e sem limites da natureza pela ciência e pela energia, o homem por isso mesmo experimentará constantemente uma alegria tão intensa que ela substituirá para ele as esperanças das alegrias celestes. Cada qual saberá que é mortal, sem esperança de ressurreição, e resignar-se-á à morte com uma altivez tranqüila, como um deus. Por altivez, abster-se-á de murmurar contra a brevidade da vida e amará seus irmãos duma maneira desinteressada. O amor só procurará gozos breves, mas o próprio sentimento de sua brevidade reforçar-lhe-á a intensidade tanto quanto outrora ela se disseminava nas esperanças de um amor eterno, além-tumular"... e assim por diante. É encantador!

Medicina e ciência
Deixo de lado a medicina; a ciência» mente, dizem, a ciência se engana, os doutores não souberam distinguir a verdade da simulação 686

Presentismo
Karamázov só vive no momento presente. 692

Amar o pai
A vista dum pai indigno, sobretudo comparado aos de outros meninos, seus condiscípulos, inspira, malgrado seu, a um jovem questões dolorosas. Respondem-lhe banalmente: 'Foi ele quem te gerou, és seu sangue, de modo que deves amá-lo'. O rapaz pensa, malgrado seu: 'Será que ele me amava quando me gerou', pergunta ele, cada vez mais surpreso, 'foi por minha causa que ele me deu a vida? Ele não me conhecia, ignorava mesmo meu sexo, naquele minuto de paixão, talvez aquecido pelo vinho, e só me transmitiu uma inclinação pela bebida, eis todos os seus benefícios... Por que devo amá-lo, pelo simples fato de me ter gerado, a ele que nunca me amou?' 719

Tese
Vale mais absolver dez culpados que condenar um inocente. 721