quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Edmund Wilson - Rumo à estação Finlândia

Primeiro livro publicado pela Companhia das Letras, 'Rumo à estação Finlândia' foi sucesso imediato no Brasil. Hoje, passados mais de vinte anos, continua sendo uma obra de referência, talvez a mais importante do escritor americano Edmund Wilson. Estudo crítico e histórico das teorias revolucionárias européias que estabeleceram as bases do socialismo bolchevique, este é um livro impossível de ser enquadrado em uma só categoria, capaz de agradar tanto a um especialista quanto a um não-iniciado. Desde a Revolução Francesa até a Russa, em 1917, Wilson percorre as batalhas intelectuais de um grupo de homens - conspiradores e filósofos, utopistas e niilistas, socialistas e anarquistas -, batalhas que ajudaram a moldar a história do século XX.

O autor nasceu em Red Bank, Nova Jersey, em 1895, e morreu em 1972. Figura decisiva na vida intelectual norte-americana, esteve entre os primeiros a saudar autores como Joyce, Fitzgerald e Hemingway. Crítico ativo até o fim da vida, assinou também várias obras de história das idéias.


WILSON, Edmund. Rumo à estação Finlândia: escritores e atores da história. São Paulo: Cia das Letras, (1986) 1993.

Totalidade
Vico, com a força do seu gênio imaginativo, de extraordinário poder e alcance, lhe permitira apreender pela primeira vez o caráter orgânico da sociedade humana e a importância de reintegrar, através da história, as diversas forças e fatores que compõem a vida humana. Em agosto [de 1820], por ocasião da entrega dos prêmios da escola, Michelet afirma: “Ai daquele que tenta isolar um ramo do saber de outro. (...) Toda ciência é uma: linguagem, literatura e história, física, matemática e filosofia; assuntos que parecem os mais distantes um do outro são na realidade interligados; ou melhor, todos formam um único sistema” (p. 11/12).

História das mentalidades
Porém não se pode entrar na história da humanidade uma vez que ele tenha ocorrido; um homem do século XIX, na verdade, não pode resgatar a mentalidade do século XVI. Não se pode reproduzir a totalidade da história e ao mesmo tempo ater-se às formas e proporções da arte. Não se pode ter interesse no passado e não se interessar pelos acontecimentos presentes sem ter vontade de fazer alguma coisa no sentido de influenciá-los (p. 31).

  • Sistemas imaginários os mais contrários possíveis ao que existia na realidade e tentar construir modelos de tais sistemas, na esperança de que o exemplo fosse imitado. Era isso que a palavra socialismo designava quando começou a circular na França e na Inglaterra por volta de 1835 (p. 100).

Feuerbach
A Idéia Absoluta de Hegel – afirma Feuerbach -, que supostamente se encarnara na matéria com o fim de realizar a razão, não passava de um pressuposto gratuito que Hegel não conseguiu provar. Na verdade, a Idéia Absoluta era apenas um substituto do Verbo feito Carne, e Hegel não era mais do que o último dos grandes apologistas do cristianismo. Esqueçamos a Idéia Absoluta; comecemos a investigar o homem e o mundo tal como os encontramos. Quando o fazemos, torna-se óbvio que as lendas e rituais das religiões são meras manifestações de mentes humanas. Feuerbach conseguira retirar a religião da esfera da imaginação comum em que a colocara Strauss, desvincular o instinto ético da autoconsciência pura em que ele caíra quando Bruno Bauer rejeitou a autoridade das Escrituras, e vincular a religião e a moralidade inexoravelmente aos costumes dos homens. Porém ele ainda acredita na necessidade permanente da religião. Tenta ele próprio criar um substituto para a religião, um culto do amor baseado na sexualidade e na amizade. E imagina uma humanidade abstrata dotada de uma razão comum.

Servidão medieval

Para Engels, parecia que o serviço medieval, que ao menos estava fixo à terra e ocupava uma posição definida na sociedade, estivera em melhor situação que o operário industrial (p. 133).

Aproveitamento de Hegel
O mais importante que Marx e Engels e todos os seus contemporâneos extraíram da filosofia de Hegel foi o conceito de transformação histórica. Ele revelara estar plenamente consciente de que as grandes figuras revolucionárias da história não eram apenas indivíduos extraordinários, que moviam montanhas simplesmente com a força de vontade, e sim agentes através dos quais as forças das sociedade em que eles se inseriam realizavam seus propósitos inconscientes (p. 139).

  • De Saint-Simon [Marx e Engels] aceitaram a descoberta de que a política moderna era simplesmente a ciência da regulamentação da produção; de Fourier, a condenação ao burguês, a consciência do contraste irônico entre o “frenesi especulativo, o espírito do comercialismo que nada poupa” que caracterizavam o reinado do burguês e “as promessas brilhantes do Iluminismo” que os precedeu; de Owen, a consciência de que o sistema fabril teria de ser a raiz da revolução social. Porém viram que o erro dos socialistas utópicos fora imaginar que o socialismo seria imposto à sociedade de cima para baixo, por desinteressados membros das classes superiores. Em meados do século XIX eles já enxergavam com clareza que era impossível para pequenas unidades comunistas por si só conseguirem salvar a sociedade porque esse movimento ignorava o mecanismo da luta de classes (p. 141).
  • Marx elogiara Proudhon por haver submetido “a propriedade privada, que é a base da economia política, (...) à primeira análise decisiva, implacável e ao mesmo tempo científica”. Agora Marx percebia que o axioma “a propriedade é um roubo”, ao referir-se a uma violação da propriedade ele próprio pressupunha a existência de propriedade legítimos (p. 152).
  • Essa arrogância e implacabilidade [de Marx e Engels] eram necessárias para derrubar as ilusões da época (p. 155)
  • Àqueles que falavam de Justiça, Marx e Engels replicavam: “Justiça para quem? No capitalismo, são os proletários que são presos com mais freqüência e os que recebem os castigos mais severos; ao mesmo tempo, como passam fome quando estão desempregados, são eles levados a cometer a maioria dos crimes”. Àqueles que falam de Liberdade, eles replicavam: “Liberdade para quem? Jamais será possível libertar o trabalhador sem restringir a liberdade do proprietário”. Àqueles que falavam em Vida Familiar e Amor – que supostamente estariam sendo destruídos pelo comunismo – eles respondiam que essas coisas, na sociedade da época, só existiam para a burguesia, já que a família proletária fora desmembrada com a utilização de mulheres e menores nas fábricas, levando jovens a fazer amor nos moinhos e minas ou vender seus corpos quando os moinhos e minas se fechavam. Àqueles que falavam do Bem e da Verdade, Marx e Engels retrucavam que jamais saberíamos o que essas palavras queriam dizer até que surgissem moralistas e filósofos que não estivessem mais comprometidos com uma sociedade baseada na exploração, e portanto não tivessem nenhum interesse pessoal na perpetuação da opressão (p. 155).
  • Marx demonstrou que todas as leis eram apenas reflexos de todas as relações sociais, e que, quando mudavam as relações sociais, as leis tornavam-se caducas (p. 166).
  • Para eles [Marx e Engels] adotaram esse princípio, e projetaram sua atuação no futuro, coisa que Hegel não havia feito. Para eles a tese era a sociedade burguesa, que constituíra uma unificação em relação ao regime feudal que se desintegrava; a antítese era o proletariado, que foi gerado pelo desenvolvimento da indústria moderna, mas que depois fora dissociado, através da especialização e do aviltamento, do corpo principal da sociedade moderna, e que um dia teria que se voltar contra ela; a síntese seria a sociedade comunista que resultaria do conflito entre a classe operária e as classes proprietárias e patronais e do controle da indústria pela classe operária, e que representaria uma unidade mais elevada na medida em que harmonizaria os interesses de toda a humanidade (p. 174).
Cabeça para baixo
Escreve Marx no Capital: “Para Hegel, o processo do pensamento que, com o nome de Idéia, ele chega a transformar-se em sujeito independente, é o demiurgo do mundo real, enquanto o mundo real é apenas a sua aparência externa. Para mim, pelo contrário, o ideal é apenas o material após ser transposto e traduzido dentro da cabeça do homem”. Marx e Engels haviam declarado que todas as idéias eram humanas, e que toda idéia estava interligada a alguma situação social específica, que, por sua vez, fora produzida pelas relações entre o homem e condições materiais específicas (p. 174). Marx afirma que a Idéia Hegeliana é um demiurgo; pois este demiurgo continuou a caminhar a seu lado mesmo quando ele imaginava já ter se desvencilhado dele. Marx acreditava ainda na tríade de Hegel: These, Antithese e Synthese; e essa tríade não passava da velha trindade da teologia cristã, a qual os cristãos haviam tomado emprestado de Platão. [...] As concepções dos materialistas dialéticas só se impõem até certo ponto. Sem dúvida, elas permitem que se formule em termos dramáticos a dinâmica de certas transformações sociais; porém é evidentemente impossível aplicá-las a outras. Marx julgava encontrar o princípio hegeliano da “transição da quantidade para a qualidade” tanto na transformação do chefe da guilda medieval em capitalista quanto nas transformações dos compostos. No caso de um exemplo de Bernal – a teoria freudiana da repressão dos desejos – o ciclo dialético, sem dúvida alguma, nada tem de inevitável. O instinto é a tese; a repressão é a antítese; a sublimação é a síntese: até aí, tudo bem. Mas digamos que o paciente não consiga sublimar e enlouqueça, ou se suicide: onde está a conciliação dos opostos na síntese? ( p. 184/185)

A questão do economicismo
Em que sentido era verdade que a economia determinava as relações sociais e que as idéias se derivavam delas? Se as idéias não eram efeitos passivos, então qual a natureza e âmbito de sua atuação? Na verdade, Marx e Engels jamais desenvolveram detalhadamente seu ponto de vista (p. 176). As atividades ideológicas da superestrutura não são consideradas por eles nem simples reflexos da base econômica, nem meras fantasias ornamentais que dela brotam. Esses grupos podem atuar diretamente um sobre o outro, e até mesmo sobre a base sócio-econômica. Exemplo: para Engels as leis referentes à herança evidentemente têm uma base econômica, porque devem corresponder a diversas etapas do desenvolvimento da família; provém seria muito difícil provar que a liberdade de disposições testamentárias existentes na Inglaterra e as restrições legais nesse âmbito vigentes na França podem ser explicadas somente por causas econômicas. Porém esses dois tipos de lei têm efeito sobre o sistema econômico, na medida em que influenciam na distribuição da riqueza (p. 177).

História
Engels no Anti-Dhuring: “Uma vez que ultrapassamos o estágio primitivo do homem, a chamada Idade da Pedra, a repetição das circunstâncias é a exceção e não a regra e, mesmo quando ocorrem tais repetições, elas jamais se dão sob condições exatamente iguais” (p. 179).

  • Quem lê o 18 brumário nunca mais encara a linguagem, as convenções, os conchavos e pretensões dos parlamentos com os mesmos olhos, se antes tinha alguma ilusão a respeito deles. Tais coisas perdem a consistência e a cor, e evaporam diante de nossos olhos. A velha competição por cargos públicos e o velho jogo do debate político parecem tolos e obsoletos; pois agora vemos pela primeira vez, além do jogo de sombras, o conflito de apetites e necessidades que, ainda que os próprios atores o desconheçam em parte, projeta na tela essas magras silhuetas (p. 194).

Curiosidade

Os livros e papéis obedeciam a ele [Marx] como se fossem seus braços e pernas: “são meus escravos”, dizia Marx, “e têm de me servir a meu bel-prazer” (p. 251).

Bakunin versus Marx
A questão central da luta entre os seguidores de Bakunin e os de Marx foi a abolição do direito de herança. Era uma medida que Bakunin exigia com veemência como “uma das condições indispensáveis para a emancipação dos trabalhadores” – talvez por ele estar tentando, sem sucesso, convencer os irmãos a lhe enviarem uma parte dos bens da família. Marx, com sua lógica habitual, argumentava que, como a herança da propriedade privada era apenas uma conseqüência do sistema de propriedade privada, o importante era atacar o sistema em si e não se preocupar com malefícios dele decorrentes (p. 261).

  • A argumentação que Marx faz em defesa do crime no quarto livro do Capital: o crime, diz ele, é produzido pelo criminoso exatamente como “o filósofo produz idéias; o poeta, versos; o professor, manuais”, e sua prática é útil à sociedade porque resolve o problema da população supérflua, ao mesmo tempo em que sua repressão proporciona empregos a muitos cidadãos honrados (p. 277).
  • O que quer dizer exatamente a afirmativa de que o trabalho determina o valor (idéia cujo embrião encontrou em Ricardo e Adam Smith)? Não seria difícil mencionar diversas coisas cujo valor certamente não era determinado pelo trabalho: móveis antigos, quadros renascentistas, o elemento rádio; e, mesmo no caso de artigos manufaturados, estava longe de ser verdade que seu valor no mercado era proporcional à quantidade de trabalho que fora necessária para produzi-los. Para os fabianos ingleses (baseados em Stanley Jevons) elaboraram uma teoria contrária fundamental na demanda: o preço de qualquer mercadoria é determinado pelo seu grau de utilidade para as pessoas que a ela têm acesso, e isto, por sua vez, pode ser considerado o determinante dôo valor do trabalho necessário para produzi-la (p. 282). A verdade é que todas essas teorias são incompletas: os preços reais são produtos de situações muito mais complexas do que qualquer uma dessas fórmulas, e são complicadas por fatores psicológicos que os economistas raramente levam em conta (p. 284).
  • Marx tomou por base que, embora o patrão sempre tivesse se revelado ganancioso, o trabalhador socialista dôo futuro – tendo dado, nas palavras de Engels em Anti-Dhuring, o “salto do reino da necessidade para o reino da liberdade” – passaria a agir sempre em prol do bem da humanidade. A classe dominante da era capitalista jamais fizera por vontade própria outra coisa que não roubar os pobres em benefício do seu próprio bem-estar; mas a classe dominante da ditadura do proletariado jamais pensaria em abusar de seu poder. Em edições posteriores do manifesto, Engels acrescentou uma nota na qual explicava que em 1847 pouco se sabia a respeito do comunismo primitivo. Depois, ele e Marx podiam fundamentar sua fé no futuro em uma espécie de Idade do Ouro de propriedade comunista e relações fraternais que teria existido no passado. Em A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Engels tenta demonstrar que a “singela grandeza moral” da “velha sociedade pagã sem classes” fora “minada e destruída pelos meios mais desprezíveis: roubo, violência, astúcia, traição”, e que, em conseqüência, o “novo sistema de classes” fora “instituído pelos impulsos mais mesquinhos: inveja vulgar, volúpia brutal, avareza sórdida, roubo egoísta da riqueza comum” (p. 287). Ora, isso levanta o mesmo tipo de pergunta em relação a esse passado comunista, que o domínio do proletariado coloca em relação ao futuro socialista. De que modo os membros da espécie humana, antes felizes e bons, vieram a se tornar tão infelizes e maus? Serão apenas impulsos “vulgares, brutais e egoístas” que deram origem à sociedade de classes? A questão do futuro é importante. Por que motivo devemos supor que os impulsos brutais e egoístas do homem hão de desaparecer numa ditadura socialista? (p. 288)
Direitos
Marx passaria o resto da vida afirmando que todo ser humano era dotado do direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade (p. 290). Porém não há, em última análise, nenhuma maneira de provar que eles existem, exatamente como não como provar que para Deus todas as almas são inevitavelmente inferiores às classes dominantes (p. 290).

Ontologia reformista
Antes de tornar-se dominante, a burguesia já possuía propriedades e cultura e bastava-lhe defender seu direito a tais coisas; porém o proletariado inglês teria de lutar muito para consegui-las, e, quando um proletário excepcionalmente tinha sucesso, ele adquiria junto com elas uma visão de classe média. Quando, através das negociações sindicais, o proletariado obtinha melhores salários e naus horas de lazer, ele não pensava numa revolução mundial; quando gerava um líder parlamentar de valor, este era comprado ou absorvido pela classe governante. Além disso, Marx não era a pessoa indicada para aceitar, para nem sequer imaginar, a psicologia dos trabalhadores depois que seu padrão de vida tivesse melhorado um pouco (p. 305).

O nome de Trotsky
Lev Davidovitch fugiu em agosto de 1902. Quando chegou na ferrovia siberiana, as amigos lhe entregaram uma mala cheia de roupas e um passaporte falso, que ele preencheu com o primeiro nome que lhe veio à cabeça - o nome do carcereiro-chefe da prisão de Odessa, Trotsky (p. 386).

Fim do Marxismo?
Então nada restará mais nada do marxismo? Não haverá idéias marxistas básicas que ainda possam ser aceitas como verdadeiras? Examinei o marxismo acima, arriscando-me a cair na banalidade, em termos de suas origens históricas, porque me parece que as generalidades cambiantes em que a mente liberal continua viciada ainda precisam ser corrigidas constantemente pelos fatos da história do socialismo. Mas é claro que há uma técnica comum ao marxismo de Marx e Engels, ao de Lenin e Trotsky, uma técnica que ainda podemos utilizar com proveito: a técnica de analisar fenômenos políticos em termos sócio-econômicos. O que havida de verdadeiro nas pretensões de Marx e Engels de fazer o socialismo algo “científico” era o fato de terem eles sido os primeiros a tentar, de modo intensivo, estudar as causas econômicos de modo objetivo. Isto, naturalmente, não quer dizer que devamos tentar encontrar a chave dos eventos de nossa época nas conclusões que estes homens de um outro século tiraram com base nos eventos do seu tempo. O método marxista só leva a resultados válidos quando aplicado de modo novo por homens realistas o bastante para verem com seus próprios olhos – e corajosos o bastante para pensarem com suas próprias cabeças. Porém, feitas todas essas considerações, resta algo mais importante que é comum a todos os grandes marxistas: o desejo de abolir os privilégios de classe baseados no berço e nas diferenças de renda: a vontade de estabelecer uma sociedade em que o desenvolvimento superior de alguns não seja custeado pela exploração – ou seja, pela degradação proposital – de outrem: uma sociedade que seja homogênea e cooperativa, algo bem diverso de nossa sociedade comercial, e que seja dirigida pelas mentes criativas conscientes de seus membros, dando o melhor de si. Porém essa é uma meta pela qual devemos trabalhar à luz de nossa própria imaginação e com a ajuda de nosso próprio bom senso. As fórmulas das diversas seitas marxistas, inclusive a que é comum a todas elas, o dogma da dialética, não são mais merecedoras do status de sagradas escrituras do que as fórmulas de outras crenças. Para realizarmos essa tarefa, precisaremos exercitar ao mesmo tempo – constantemente nos adaptando às diferentes circunstâncias – nossa razão e nosso instinto.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

José Arbex Jr - Showrnalismo

O livro em questão - Showrnalismo - me foi emprestado por uma jornalista e ex-colega da faculdade de História. A proximdade da obra com temas ligados à disciplina de história é impressioante. O autor propõe interessantes discussões acerca de temas como o conceito de fato e a metodologia da história oral. No aspecto jornalístico, Arbex reflete sobre o modo de organização dos telejornais, aborda fundamentos teóricos da profissão e nos mostra como a mídia "constrói" um fato. Enfim, é uma obra de grande interesse para aqueles que possuem o costume de ler jornais e ver programas de notícias diariamente. Abaixo, um breve resumo de alguns pontos apresentados pelo livro.

ARBEX JR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001.

Confusão do ver com saber
À luz da tradição cultural que identifica “ver” com “saber”, é coerente e, até esperado, que o desenvolvimento tecnológico dos meios de registro e comunicação, em particular a partir do final do século XIX (fotografia, cinema, televisão, Internet), tenha reforçado a importância da percepção visual. Mas quem vê, vê o que? Da psicanálise e das ciências sociais sabemos, hoje, que o olhar é condicionado pela cultura, mas também – talvez, sobretudo – por uma série quase infinita de mecanismos inconscientes (preconceitos, afetos, traumas, automatismos), a imensa maioria forjada na primeira infância. (35).

Memória e história oral
Reconhecemos que a história oral está longe de ser uma história espontânea, não é a existência vivida em estado puro, e que os relatos produzidos pela história oral devem estar sujeitos ao mesmo trabalho crítico das outras fontes que os historiadores costumam consultar (...) Para complicar ainda mais a questão, infelizmente não possuímos dados muito satisfatórios sobre como funciona a memória humana. Como é, por exemplo, que lembramos de certos tipos de experiência com precisão e esquecemos de outros? Como é que o envolvimento emocional a letra as lembranças? Afinal, como é que a memória se organiza e se modifica? (...) A memória não é um fenômeno exclusivamente individual, mas resulta de determinações sociais complexas. Pensamos, lembramos e exprimimo-nos em formas sociais e culturalmente determinadas – como, aliás, os antropólogos reconheceram faz bastante tempo. HAKK, Michael M. História oral: os riscos da inocência. In: CUNHA, Maria C. P. da. O direito à memória - patrimônio histórico e cidadania. P. 157. (35).

Questões teóricas de trabalho
Sei correr o risco de cair em “armadilhas” e impropriedades conceituais, ainda mais quando se sabe que vários dos autores citados mantiveram entre si fortes polêmicas teóricas. Mas esse é um risco inevitável, dado que o próprio ao objeto deste estudo o seu caráter fragmentário, elástico e fluido. Não vejo como abarcá-lo adotando um método de análise filosoficamente “homogêneo” ou “puro”. (39/40).

A costura feita pelos telejornais
O que importa, nos atuais programas de telejornalismo, é o impacto da imagem, assim como o ritmo de sua transmissão. Como no videoclipe, uma sucessão de imagens é “costurada” de maneira aparentemente aleatória, mas que em seu conjunto reforçam uma certa mensagem. (...) No caso do telenoticiário, as imagens reiteram uma certa percepção do mundo (mulheres com véu no Islã, negros famintos na África, “bandidos” negros etc.). O que se fixa, na memória do telespectador, são flashes. (52)

O objetivo da publicidade
Se no passado a publicidade tinha como objetivo vender produtos, no mundo contemporâneo ela estabelece modelos a serem seguidos, padrões físicos, estéticos, sensuais e comportamentais. (60).

Contracultura
Os movimentos políticos e culturais da juventude, no final dos anos sessenta, expressaram esse “mal-estar na cultura”. O trinômio sexo, drogas e rock’n’roll sintetizava sua aspiração a uma felicidade que não poderia ser mais adiada em benefício de uma sociedade socialista, que seria constituída em algum futuro incerto, nem condicionada pelo tamanho da conta bancária. O problema era retirar o indivíduo de seu estado de solidão e alienação e recuperar (ou, pela primeira vez, criar de fato) o prazer de estar vivo. Já estavam colocados então, plenamente, o drama da solidão dos indivíduos na sociedade de massas, os impasses, equívocos e clichês no processo de comunicação entre indivíduo e sociedade. (70)

Anarquistas, mesmo quando reconheciam diferenciações entre as várias correntes marxistas, criticavam o “autoritarismo” que, segundo eles, seria inerente às idéias de “partido dirigente” e de “vanguarda revolucionária”, e preconizavam a destruição do Estado – tanto o soviético como o capitalista, pouco importa. A crítica anarquista associava-se, em certo sentido, aos movimentos de jovens que nos anos sessenta agitavam o trinômio “sexo, drogas e rock’n’roll”, descartando o jogo polarizado das ideologias. (222)

As máquinas da imagem (a televisão, o computador, as câmaras portáteis de filmar, as máquinas fotográficas etc.) permitem que todas as atividades do cotidiano sejam transportadas para as telas e transmitidas por redes mundiais de informações (como a internet); os radares “inteligentes”, as câmaras de vigilância contra roubos nas lojas, os sistemas eletrônicos de segurança em bancos e zonas de segurança militar transformam a imagem em dígitos; os códigos de barra dos cartões de crédito, os sistemas alfanuméricos de identificação, a rede de informações sobre o crédito pessoal transformam a vida em um feixe de dados. A cada momento, e em todos os momentos, algo nos diz que fazemos parte de um imenso fluxo digital, de um gigantesco banco de dados. (71)

Definição de linguagem
(...) A linguagem não se reduz a um saber instrumental idiomático, é uma prática, social e historicamente determinada e determinante. (82)

Conceito e realidade
Consideramos “real” e “natural” o universo definido pela linguagem. Identificamos as criações da linguagem com as da própria natureza e acabamos tomando umas pelas outras. Não há uma “linguagem total”, um sistema de códigos que, abarcando tudo aquilo que o ser humano produziu como linguagem, conseguisse o máximo de aproximação entre a própria linguagem e o mundo. (85/86).

Tacocracia
Em um mundo em que a informação existe em abundância, para todos, tanto a rapidez como a eficácia na capacidade de obter uma informação exclusiva e na de disseminá-la adquiriram uma urgência dramática, acirrando ainda mais a competição entre os vários veículos de comunicação de massa. Ser mais rápido tornou-se uma demonstração de prestígio, de poder financeiro e político. É por essa razão que toda a produção da mídia passa a ser orientada sob o signo da velocidade (não raro, da precipitação) e da renovação permanente. (88)

A novidade
Mas a “exaltação da novidade” cria outro paradoxo: a produção de uma quantidade brutal e incessante de informação também produz a “amnésia permanente”. É claro: se o que interessa é a “novidade”, e essa é produzida industrialmente - a cada dia, hora ou minuto -, o telespectador/leitor é convidado a abandonar qualquer reflexão sobre determinado evento, para sempre se entregar o “novo”. (89).

Fatos

Capítulo: “O fato como ele aconteceu”

Os fatos, transformados em notícia, são descritos como eventos autônomos, completos em si mesmos. (103).

Exagerando ao extremo aquilo que dizia Nietzsche – o mundo é cognoscível, mas diversamente interpretável, segundo as necessidade e pulsões de cada intérprete -, alguns pensadores chegam a abolir o próprio mundo, que teria sido substituído pelo seu “simulacro” (caso das já comentadas hipérboles de Baudrillard). (106) NIETZSCHE, Friedrich. Nachgelasse Fragmente 1886-1887. IN: GOMES, Wilson. Verdade e perspectiva (a questão da verdade e o fato jornalístico). P. 63.

O Muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989. Tal fato ocorreu, mesmo que se discorde quanto à avaliação das causas que produziram a queda do Muro. Mas é igualmente insustentável que tal fato possa ser “capturado objetivamente” e retransmitido “fielmente” ao público, como se o jornal fosse um “espelho da realidade”. Sabemos, da mecânica quântica, que o olhar do observador altera a trajetória até mesmo de um elétron. Não apenas o olhar do observador é seletivo quanto ao evento presenciado, como ao relatar um evento o observador seleciona, hierarquiza, ordena as informações expostas, fazendo aí interferir as suas estratégias de narração. (106/107).

Fatos existem, mas não como eventos “naturais”; eles se revelam ao observador – e são, eventualmente, por ele construídos -, segundo o acervo de conhecimentos e o instrumental psicológico e analítico que por ele podem ser mobilizados. Fatos existem, mas só podemos nos referir a eles como construções da linguagem. Descrever um fato é, ao mesmo tempo, interpreta-lo, estabelecer sua gênese, seu desenvolvimento e possíveis desdobramentos, isola-lo, enfim, como um ato, uma unidade dramática. (107)

O observador designa o que é um fato, mas o faz limitado por contextos econômicos, culturais, sociais, ideológicos, políticos, históricos, psicológicos e por sua própria competência discursiva, colocada em jogo em uma disputa de discursos e saberes, assim estabelecendo uma relação de poder simbólico – isto é, uma relação política, no sentido mais amplo do termo. (107)

O narrador (historiador, jornalista, cientista político) escolhe e singulariza determinado fato, motivado por aquilo que pretende, estrategicamente, demonstrar. (...) Mas, se é verdade que a escolha de um evento e de um determinado ponto de vista para analisar o evento depende integralmente do observador, isso não significa que ele tem o poder de alterar livremente os fatos.

Os fatos escolhidos por determinado narrador não existem isoladamente, mas são resultado de uma série de eventos. (O trabalho jornalístico ou o do historiador) será o de explicar, da melhor maneira possível, o encadeamento dos eventos: nenhuma interpretação poderá, com legitimidade, defender a tese de que foi a destruição de Hiroxima e Nagasáqui que iniciou a Segunda Guerra. Se não há uma única “verdade histórica”, isso não significa que qualquer versão seja aceitável como “verdadeira”. (108)

Mesmo a frase mais simples sobre o evento mais “objetivo” – algo como “choveu ontem” – terá de ser diagramada na página do jornal. A escolha do local da página onde será dada a notícia depende de uma interpretação, de uma hierarquização de outras notícias em relação a esta (ou seja, de um “comentário” plástico, não-verbal, sobre um acontecimento em dada localidade e que tornou importante o fato de que “choveu ontem”). A concepção de “objetividade sustentada pelo manual, quando articulada com as definições de “fato” e “notícia”, revela-se expressão de um discurso técnico e tecnicista, para o qual descrever “o fato real” é decompô-lo em suas partes mais elementares. (162)

Essa troca de impressões – repleta de acidentes, de acontecimentos causais, de trocas e olhares, de relações não-verbais – acabará formando a convicção mais profunda e duradoura em relação a determinado evento. Ninguém pretende afirmar, com isso, que para conhecer os processos históricos é absolutamente necessário ou suficiente vivê-los pessoalmente. Nenhum de nós viveu no Egito dos faraós, mas temos uma razoável certeza de que o que sabemos sobre ele é verossímil, porque podemos entender o mundo que os egípcios criavam por meio da linguagem, e só podemos entendê-lo porque também criamos o nosso mundo da mesma forma. (193)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Eric Hobsbawm - Sobre História

Para inaugurar este blog, apresento aqui um pequeno resumo do livro Sobre História, do historiador Eric Hobsbawm. Nesta coleção de ensaios, ele reflete sobre a teoria e a prática da disciplina que o tornou um dos maiores intelectuais contemporâneos. Nas suas reflexões sobre o papel do historiador, Hobsbawm analisa problemas como as identidades nacionais na Europa, as relações entre história e economia, as "modas" da historiografia contemporânea, a assimilação pós-moderna da narrativa historiográfica, e a noção de progresso no conhecimento histórico.

Em especial, para aqueles que pretendem ler a obra no futuro, que examinem cuidadosamente a forma como o historiador inglês retoma, no Prefácio, dois temas centrais nas discussões propostas no livro: a questão da verdade na história e o problema da abordagem marxista da história.

Enfim, são reflexões de quem se dedica há cinqüenta anos ao ofício de historiador e de um intelectual que, naturalmente, aproveitou as conferências para explicitar as suas concepções teóricas e metodológicas. Sem dúvida, Sobre história é uma obra fundamntal para aqueles que se dedicam ao estudo da disciplina.

HOBSBAWM, Eric. Sobre história. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.



Prefácio
Ponto de partida do historiador
Ponto do qual o historiador deve partir é a distinção fundamental entre fato comprovável e ficção. Aquilo que o historiador investiga é real. p. 8.

1. Dentro e fora da História

América Latina

A história dos países atrasados nos séculos 19 e 20 é a história da tentativa de alcançar o mundo mais avançado por meio de sua imitação (ver Borón). p. 15.

História como local para busca de um passado de glória
O passado é um elemento essencial, talvez o elemento essencial nas ideologias. Se não há nenhum passado satisfatório, sempre é possível inventá-lo. O passado fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que comemorar. p. 17.

História como fonte para criação de mito
Mito e invenção são essenciais à política de identidade pelo qual grupos de pessoas ao se definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras nacionais passadas ou presentes, tentam encontrar alguma certeza em um mundo incerto e instável, dizendo: "Somos diferentes e melhores do que os outros". p. 19.

2. O sentido do passado

Sociedades tradicionais

A crença de que a sociedade tradicional seja estática e imóvel é um mito da ciência social vulgar. Até um certo ponto de mudança ela pode permanecer "tradicional": o molde do passado continua a modelar o presente, ou assim se imagina. p. 25.

O domínio do passado não implica uma imagem de imobilidade social. É compatível com visões cíclicas de mudanças. É incompatível com a idéia de progresso contínuo. p. 25.

Utopia
A utopia é por natureza, uma situação estável ou auto-reprodutora, e seu a-historicismo implícito só pode ser evitado por aqueles que se recusam a descrevê-la. p. 31.

3. O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea ?

O futuro

Pensar sobre o que vem acontecendo: e se a maioria da população não for mais necessária para a produção? Do que se mantém? Previdência. O centro da questão é a economia de mercado. p. 45.

História como autojustificação
A história como inspiração e ideologia tem uma tendência embutida a se tornar mito de autojustificação. p. 48.

4. A história e a previsão do futuro

Previsão sobre o futuro

Toda a previsão sobre o mundo real repousa, em grande parte, em algum tipo de inferência sobre o futuro a partir daquilo que aconteceu no passado. p. 49.

Perguntas possíveis
Pergunta-se o que acontecerá, mas não quando acontecerá. p. 62.

5. A história progrediu?

Progressos na história

A história se afastou da descrição e da narrativa e se voltou para a análise e a explicação; da ênfase no singular e individual, para o estabelecimento de regularidades e generalização. De certo modo, a abordagem tradicional foi virada de cabeça para baixo. Tudo isso constitui progresso? Sim, constitui, de um tipo modesto. p. 75.

• Aproximação com as outras ciências também tem havido. p. 76.

Defesa do marxismo
Acredito ser o marxismo uma abordagem muito melhor da história porque está mais visivelmente atento do que as outras abordagens àquilo que os seres humanos podem fazer enquanto sujeitos e produtores da história, bem como àquilo que, enquanto objetos, não podem. E, por falar nisso, é a melhor abordagem porque, como virtual inventor da sociologia do conhecimento, Marx elaborou também uma teoria sobre como as idéias dos próprios historiadores tendem a ser afetadas pelo seu ser social. p. 77.

6. Da história social à história da sociedade

História das idéias

A velha moralidade de história das idéias, que isolava as idéias escritas de seu contexto humano e acompanhava a sua adoção de um escritor para outro, também é possível desde que se queira fazer esse tipo de coisa. P. 87.

7. Historiadores e economistas: 1

Acumulação capitalista atual

Na visão de uma fase transnacional do capitalismo, a grande empresa, e não o Estado-nação, é a instituição por meio da qual se manifesta a dinâmica da acumulação capitalista. P. 117

Concentração econômica

O mero reconhecimento por Marx de uma tendência secular à livre competição para gerar concentração econômica foi de enorme fertilidade. p. 120.

8. Historiadores e economistas: 2


Generalizações
As generalidades, apesar de sofisticadas, são insuficientes para compreender qualquer estágio histórico real da produção ou a natureza de sua transformação. p. 124.

Modos de produção combinados
Toda transição de uma formação socioeconômica para outra – digamos da sociedade feudal para a capitalista – deve em algum estágio consistir de uma mistura dessa ordem. p. 134.

9. Engajamento

Extremos de um cientista

Em um extremo, há a proposição pouco controversa de que o cientista, que é fruto de sua época, reflete os preconceitos ideológicos e outros de seu ambiente e experiências e interesses sociais e específicos. No outro, há a concepção de que não devemos meramente nos dispor a subordinar nossa ciência às exigências de alguma organização ou autoridade, mas até promover ativamente essa subordinação. p.139.

Intelectuais engajados
O mais decisivo é que os intelectuais engajados podem ser os únicos dispostos a investigar problemas ou assuntos que (por razões ideológicas, ou outras) o resto da comunidade intelectual não consegue considerar. p. 148.

Historiadores enfiados nos seus gabinetes: em favor do engajamento
É nessa situação que o engajamento político pode servir para contrabalançar a tendência crescente de olhar para dentro, em casos extremos, o escolasticismo, a tendência a desenvolver engenhosidade intelectual por ela mesma, o auto-isolamento da academia. p. 154.

10. O que os historiadores devem a Karl Marx?

Erros e acertos de Marx

É correto que o modelo deva ser debatido e, em particular, que os critérios usuais de verificação histórica sejam aplicados ao mesmo. É inevitável que certas partes, baseadas em evidência insuficiente ou enganosa, devam ser abandonadas, como, por exemplo, no campo do estudo das sociedades orientais, onde Marx combina uma visão profunda com posições equivocadas sobre, digamos, a estabilidade interna de tais sociedades. Apesar disso, o argumento central deste ensaio é o de que o principal valor de Marx para os historiadores hoje reside em suas proposições sobre a história enquanto distintas de suas proposições sobre a sociedade em geral. p. 162.

Significado de “base”
Quase não é necessário dizer que a “base” não consiste da tecnologia ou economia, mas da “totalidade dessas relações de produção”, isto é, a organização social em seu sentido mais amplo quando aplicada a um dado nível das forças materiais de produção.

Contribuição de Marx
A ênfase de Marx na história como dimensão necessária talvez seja mais essencial do que nunca. P. 163.

História como progresso
O conceito de progresso, característico também do pensamento do século XIX, inclusive no de Marx. P. 163-164.

11. Marx e a história

Em história não existe “se”

O que aconteceu era inevitável porque não aconteceu outra coisa; portanto, o que mais poderia ter acontecido é uma questão acadêmica. P. 175.

A direção inelutável ao socialismo
Se é possível demonstrar que em outras sociedades não houve nenhuma tendência ao crescimento das forças materiais, ou que seu crescimento foi controlado, desviado ou de outro modo impedido, mediante a força da organização social e da superestrutura, de provocar a revolução no sentido contido no Prefácio de 1859, então por que o mesmo não deveria ocorrer na sociedade burguesa? P. 178.

Conceitos de sociedade e modo de produção em Marx
“Sociedade” é um sistema de relações humanas, ou, para ser mais exato, de relações entre grupos humanos. O conceito de “modo de produção” serve para identificar as forças sociais que orientam o alinhamento desses grupos – o que pode ser feito de múltiplas formas, dentro de um certo limite, em diferentes sociedades. P. 179.

• A lista de MPs de Marx não visa constituir uma sucessão cronológica unilinear. P. 179.

12. Todo povo tem história

13. A história britânica e os “Annales”: um comentário

14. A Volta da narrativa

Ampliação do campo da história como disciplina

Quanto mais ampla a classe de atividades humanas aceita como interesse legítimo do historiador, quanto mais claramente entendida a necessidade de estabelecer conexões sistemáticas entre elas, maior a dificuldade de alcançar uma síntese. P. 204.

Falso debate do micro e do macro
Não há nada de novo em preferir olhar o mundo por meio de um microscópio em lugar de um telescópio. Na medida em que aceitemos que estamos estudando o mesmo cosmo, a escolha entre micro e macrocosmo é uma questão de selecionar a técnica apropriada. P. 206.

15. Pós-modernismo na floresta

16. A história de baixo para cima

História oral e memória

A questão é que a memória é menos uma gravação que um mecanismo seletivo, e a seleção, dentro de certos limites, é constantemente mutável. P. 221.

Uma boa parte da história dos movimentos populares é como vestígio do antigo arado. Poderia parecer extinto para sempre com os homens que aravam o campo muitos séculos atrás. Mas todo aerofotogrametrista sabe que, com certa luz e determinado ângulo de visão, ainda se pode ver a sombra de montes e sulcos há muito esquecidos. P. 224.

17. A curiosa história da Europa


18. O presente como história

Influência do presente

E quando não escrevemos sobre a Antiguidade clássica ou o século XIX, mas sobre o nosso próprio tempo, é inevitável que a experiência pessoal desses tempos modelem a maneira como os vemos, e até como avaliamos a evidência à qual todos nós, não obstante nossas opiniões, devemos recorrer e apresentar. P. 245.

19. Podemos escrever a História da Revolução Russa

20. Barbárie: Manual do usuário

Banalidade da barbárie

O que torna as coisas piores, o que sem dúvida as tornará piores no futuro, é o constante desmantelamento das defesas que a civilização do Iluminismo havia erigido contra a barbárie, e que tentei esboçar nesta palestra. O pior é que passamos a nos habituar ao desumano. Aprendemos a tolerar o intolerável. P. 279

21. Não basta a história da identidade

História nacional construída

As nações são entidades historicamente novas fingindo terem existido por muito tempo. É inevitável que a versão nacionalista de sua história consista de anacronismo, omissão, descontextualização e, em casos extremos, mentiras. Em um grau menor, isso é verdade para todas as formas de história de identidade, antigas ou recentes. P. 285.

Destruidor de mitos nas escolas
A terceira limitação na função dos historiadores como eliminador de mitos é ainda mais óbvia. No curto prazo, estão impotentes contra os que optam por acreditar no mito histórico, principalmente se sustentam poder político, o que, em muitos países, e especificamente nos numerosos Estados novos, envolve controle sobre o que ainda é o canal mais importante para comunicar informações históricas, as escolas. E convém nunca esquecer que a história – principalmente história nacional – ocupa um lugar importante em todos os sistemas de educação pública. P. 290

Responsabilidades do historiador
Essas limitações não diminuem a responsabilidade política do historiador, que repousa, acima de tudo, no fato, já notado acima, de que os historiadores são produtores básicos da matéria prima que é convertida em propaganda e mitologia. P. 290.

***

P.S. Em negrito estão os títulos dos capítulos